No debate realizado na Assembléia Popular Nacional sobre a forma em que foi elaborada a sistematização da prática e da reflexão sobre o Brasil que Queremos apareceram algumas dúvidas que merecem um aprofundamento. É o que me proponho nesta breve reflexão.
Em primeiro lugar, mesmo sendo legítimo e usual, abordar toda a família de direitos como referência de avaliação das obrigações públicas em relação a eles, é uma forma redutiva de abordá-los. O ponto de referência está na forma em que são reconhecidos e garantidos os direitos na Constituição e as leis que a regulamentam. Mesmo quando a luta popular se faz presente, seu limite se encontra no exigir que a lei seja cumprida. Em outras palavras, o que se avalia é o funcionamento do Estado na relação com a população e/ou a pressão da população para que ele cumpra suas obrigações.
O risco de limitar a abordagem dos direitos a essa avaliação de como estão sendo garantidos pelas instituições públicas está na possibilidade de se perder de vista a origem dos direitos e a origem até mesmo da forma constitucional de reconhecê-los. Como foi repetido, isso poderia dar a falsa ideia de que direitos são algo referido à sociedade burguesa e, portanto, igualmente limitados à sua vigência política. Na verdade, por mais que a ideia geral de direito, assim como de democracia, se faça presente no pensamento ideológico liberal, a sociedade de livre mercado capitalista sempre batalhou contra sua realização. Por isso, a história demonstra que os direitos sempre foram metas da luta popular, entendidos como dimensões da vida humana que todas as pessoas precisam para viver com dignidade. No limite, até mesmo a luta pela socialização de tudo que é produzido coletivamente pelos trabalhadores tem seu fundamento na radicalização do direito ao trabalho - superando, é claro, a redução capitalista do trabalho ao "emprego".
Ao propor a elaboração do Projeto de Brasil tendo como eixos todos os direitos retoma-se a origem histórica popular de sua formulação e conquista. Coube sempre aos trabalhadores, em suas diferentes mediações concretas de trabalho e de vida, insurgir-se contra as formulações redutivas de seus direitos, enfrentando lutas diretas com seus empregadores e, a partir da existência de leis que consagravam essas visões redutivas, lutas políticas com as instituições públicas burguesas. Coube a eles igualmente avançar no entendimento de seus direitos, colocando suas propostas como metas a serem alcançadas através de diferentes formas de luta.
Elaborar um Projeto de Brasil a partir dos direitos como eixos significa assumir a perspectiva dos trabalhadores e de todas as demais pessoas marginalizadas, discriminadas e excluídas em relação ao seu futuro: como desejam e exigem a realização e garantia de todos os seus direitos na sociedade brasileira que se propõem construir?
Assumir os direitos como matrizes de um Projeto Popular significa pensar a sociedade brasileira que se quer construir a partir dos sujeitos individuais e coletivos de direitos que são todas as pessoas. Com este horizonte bem formulado, o Projeto torna-se referência para ter consciência dos passos que são dados ao lutar com as forças econômicas e políticas dominantes em vista de avançar na realização dos direitos. Sem este horizonte, perde-se a possibilidade de avaliar os avanços e recuos das lutas, correndo o risco de que esta referência se limite ao que está dado pela legislação, ou ao que está supostamente dado num projeto meramente teórico/ideológico de um futuro socialismo.
Uma vantagem indiscutível de se projetar a sociedade tendo presente a formulação desejada de todos os direitos é fazer que o Projeto não se limite à economia, uma vez mais iludidos que sua transformação significaria mecanicamente a transformação da vida em sociedade em todas as suas dimensões. Alcançada, com luta, a transformação econômica, o poder popular continuará em luta por todas as demais dimensões, isto é, em relação a todos os seus demais direitos; na prática, contudo, diferentes lutas fazem avançar transformações em diferentes dimensões da vida, avançando em direção ao Projeto Popular. Com isso, garantir-se-á que o processo de radicalização da democracia seja um processo permanente, fermentando também a desejada sociedade socializada.
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